A luta dos informais contra o coronavírus e a precarização do trabalho
por Joaquim Werneck, Alberto Ghazale e
João Victor Barbieri
Em um país como o Brasil, onde cerca de 13,5 milhões de pessoas precisam sobreviver com apenas 145 reais mensais, a miséria e o desemprego acabam tornando-se grandes obstáculos no combate ao coronavírus. Apesar da urgente necessidade de isolamento social, para muitos habitantes, ficar em casa sem trabalhar neste período significa passar fome.
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Segundo um estudo do Banco Mundial, a estimativa é de que no Brasil, cerca de 5,4 milhões de pessoas passem para a extrema pobreza por conta do coronavírus, número que corresponde à população da Noruega. O total chegaria a quase 14,7 milhões de pessoas até o fim de 2020, o que representa 7% da população.
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Com o avanço da doença, a ausência de direitos trabalhistas também se configura como uma grave ameaça à vida dos milhares de brasileiros que trabalham na informalidade. Em fevereiro de 2020, a informalidade atingiu por volta de 38 milhões de pessoas no país, o equivalente a 40,6% dos trabalhadores ocupados, de acordo com o IBGE. Em seis anos houve um aumento de cerca de dois milhões de pessoas em situação informal.
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Além das inúmeras dificuldades e precariedades já existentes nas suas vidas, os trabalhadores deste contingente, composto majoritariamente por pessoas que não possuem carteira assinada ou que trabalham por conta própria, estão enfrentando problemas ainda maiores por conta desta crise. Em meio à pandemia, suas sobrevivências e de suas famílias são colocadas em risco tanto se ficarem em casa, quanto se saírem dela: trabalhando na rua estarão expondo-se ao vírus, enquanto confinados não conseguirão receber sua renda mensal.
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Quando se reduz a atividade econômica, principalmente em um nível tão extremo quanto o atual, os efeitos recaem sobre aqueles que não são cobertos por direitos trabalhistas. Diferentemente de quem possui carteira assinada, os informais não têm direito a dias de repouso remunerado para proteger a própria saúde.
ENTREGADORES DE APLICATIVO
Bastante diversificadas, as ocupações do mercado informal vão desde os entregadores e motoristas de aplicativo até os vendedores ambulantes e camelôs. Contudo, independentemente das especificidades de cada ofício, a inexistência de um salário fixo e a falta de garantias trabalhistas da CLT é uma realidade comum a todos. Férias pagas, vale-refeição e transporte, seguro-desemprego, remuneração por hora extra, décimo terceiro, aposentadoria: estes são apenas alguns dos direitos que essas pessoas carecem. Por estes motivos, o novo coronavírus representa um enorme perigo para estes trabalhadores.
Fruto da recente “uberização’’ do trabalho, o ofício de entregador de aplicativo prevê na teoria um estilo mais informal, flexível e por demanda. Neste modelo, oriundo do conceito de economia colaborativa, as empresas se definem como “mediadoras de serviços’’, isto é, apenas colocam as ferramentas que possuem à disposição das pessoas, estas podendo se inscrever livremente.
Portanto, os entregadores não possuem qualquer tipo de vínculo empregatício formal com os aplicativos, pois são considerados “colaboradores’’, e não empregados. Como consequência, este processo foi determinante no aumento da taxa de informalidade no Brasil. Diversas pessoas entraram no mercado de trabalho, mas em uma situação de muita vulnerabilidade.
Desse modo, com os riscos e desafios impostos pelo COVID-19, essa precarização dos entregadores de aplicativo está sendo cada vez mais exposta. Adalberto Cardoso, doutor em Sociologia pela USP, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, e pesquisador com foco na sociologia do trabalho, defende essa teoria. Ressalta, porém, que a informalidade não está sendo impactada de forma homogênea.
As estatísticas mais recentes dizem que houve um aumento de 30% de demanda pelo Rappi, por exemplo. Os entregadores estão trabalhando como nunca, e não é como se estivessem recebendo mais dinheiro do que antes. O ganho mensal médio de um entregador que trabalha 12 horas por dia mal chega a R$1000’’, esclarece.
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Crise ameaça a sobrevivência dos milhares de brasileiros que não possuem carteira assinada
Morador de Teresópolis, José Alexandre, de 28 anos, é entregador do aplicativo IFood e mesmo com as orientações de confinamento, têm sido obrigado a sair para a rua em busca do seu sustento. Além disso, precisa lidar com a falta de assistência por parte da empresa. “É muito difícil porque eu trabalho sozinho, então eu me protejo por minha conta. Quando eu saio, só tenho meus equipamentos de segurança, não tem quem me proteja. Tudo fui eu quem comprei, máscara, luva, álcool em gel. Tudo isso por minha conta’’, disse ele.
Segundo Adalberto, os entregadores são um serviço essencial durante a pandemia e deveriam receber mais auxílio das empresas. No entanto, explica que para isso acontecer, as empresas teriam que reconhecer o vínculo empregatício com os entregadores. “Do ponto de vista dos donos bilionários dessas empresas, estas seriam obrigações do trabalhador, ’ele não comprou a bicicleta e a mochila? Que compre sua máscara, seu álcool gel’. Então as empresas têm esta postura criminosa, pois esses trabalhadores estão de fato em situação de risco’’, disse.
Fora a ausência de todas as garantias trabalhistas, os entregadores também têm que arcar com as despesas de celular, internet, combustível, reparos, desgastes do veículo, tributos e seguros, além de assumir a responsabilidade por danos causados a terceiros. Além disso, no Brasil são repassados à plataforma entre 20% e 30% dos valores cobrados aos clientes.
Além do aumento da demanda devido à quarentena, José também explica que neste período de pandemia está precisando trabalhar mais pois sua esposa ficou desempregada, “Antes trabalhava de 6 a 8 horas por dia, agora faço 10 horas mais ou menos’’. E completa, “Como estou trabalhando mais, graças a Deus estou recebendo mais dinheiro hoje em dia’’, afirmou.
Apesar dessa situação de precariedade, ele é apenas um dos milhares de brasileiros forçados a ingressar neste mercado por ser uma alternativa viável à alta taxa de desemprego e com retorno financeiro imediato. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, havia no Brasil, em julho de 2019, 13,7 milhões de pessoas trabalhando como motoristas de aplicativos e entregadores.
“É díficil, é a cara da falta de opção. É a única coisa que tem pra fazer, se a gente quiser trabalhar é assim, dependendo só de mim mesmo. É o que o posso fazer, mesmo sem a ajuda deles é o que garante o pão de cada dia’’, desabafa ele sobre a falta de apoio da empresa mesmo neste período de crise. O pesquisador da área do trabalho também acredita que mesmo com os males do capitalismo sendo expostos durante a pandemia, no Brasil ainda é muito difícil pensar em outro modelo econômico, senão este que tanto prejudica os trabalhadores informais.
O Governo está aproveitando a situação para dar mais poderes ao Presidente e tirar direitos dos trabalhadores, por exemplo. Então, em lugar de tomar medidas que aumentariam a proteção ao trabalhador, fazem coisas que aumentam a sua vulnerabilidade. Isso é a contramão de uma ideia de capitalismo solidário e menos predador’’, completou.
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Infográfico
Por conta da pandemia, surgiu a necessidade do Governo estabelecer um auxílio emergencial para os trabalhadores informais de baixa renda. Sendo assim, uma renda mínima mensal de 600 reais para estas pessoas foi aprovada pela Câmara dos Deputados, Senado e Governo. A medida durará, a princípio, três meses, mas poderá ser prorrogada.
AUXÍLIO EMERGENCIAL
CAMELÔS E AÇÕES DE SOLIDARIEDADE
Os vendedores ambulantes e camelôs são uma tradição muito antiga no Brasil. Somente no Rio de Janeiro, por exemplo, são 15.500 cadastrados na Prefeitura. Há cinco anos, no entanto, a organização StreetNet estimava cerca de 60 mil camelôs na cidade. Com o coronavírus, todas essas pessoas viram sua única fonte de renda desaparecer.
Diante da demora da Prefeitura do Rio e do Governo Federal na entrega das cestas básicas e pagamento do auxílio emergencial, estão sendo realizadas ações solidárias para ajudar essas pessoas. O MUCA (Movimento Unido dos Camelôs) e o Observatório das Metrópoles, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estão organizando juntos uma rede de solidariedade para doações de cestas básicas para mulheres e homens camelôs.
A coordenadora do MUCA, Maria do Carmo, conhecida também como Maria dos Camelôs, tem 45 anos e há 25 anos trabalha como camelô nas ruas do Rio de Janeiro. No primeiro mês de pandemia, o movimento conseguiu arrecadar R$ 25 mil reais através de uma vaquinha online, além de distribuir 230 cestas básicas. “A dificuldade é conseguir que a Prefeitura entenda que essas pessoas precisam estar dentro de casa e precisam comer. Por enquanto, quem está ajudando essas pessoas somos nós’’, conta ela.
Mesmo com a necessidade de confinamento, Maria explica que muitos ambulantes continuam indo para as ruas em busca do seu sustento. “Tem gente que está falando que só está conseguindo o dinheiro do almoço e mais nada, tendo que ir e voltar de carona. Está muito difícil’’, disse.
Por fim, também citou a lei municipal 1876/1992, a qual prevê que os camelôs tenham um auxiliar para ajudá-los na barraca.“Eles não dão a cesta para o auxiliar, somente para o titular. É uma covardia grande e a Prefeitura não consegue enxergar isso’’, concluiu.
A renda mínima emergencial poderá atender cerca de 20,4% da população brasileira (42,3 milhões de pessoas) segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Apenas no estado do Rio de Janeiro, a estimativa é que o dinheiro possa atender 3,3 milhões de pessoas no estado (19,1% da população). Já na capital fluminense, o auxílio pode chegar a 949 mil, ou 14,2% dos que vivem na cidade.
De acordo com o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP), que defende o projeto de renda mínima desde 2004, este é um passo muito importante para que o Brasil reconheça a importância dos programas de garantia de renda. “Claro que é algo emergencial. Contudo, podemos estar presenciando um passo que pode melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos‘’, disse. “Resta olhar com atenção os efeitos que acontecem em função dessa medida aprovada pelo congresso nacional’’, acrescentou.
De modo que a pandemia evidencia a necessidade de se garantir o mínimo para a sobrevivência das pessoas e da economia, o debate sobre a renda básica permanente têm ganhado muita força ao redor do mundo. No Brasil, um projeto de lei para tornar o auxílio emergencial um direito universal após o coronavírus foi apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP). A proposta foi construída em conjunto com Eduardo e a economista Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University, do Estados Unidos.
Segundo Suplicy, diversas categorias que estão impossibilitadas de trabalhar necessitam receber essa ajuda emergencial para sobreviver, “É o caso dos ambulantes, pescadores, informais, trabalhadores rurais, cabeleireiros, taxistas’’, explicou. Além disso, ressaltou a existência da lei 10.835 de 2004, que apesar de nunca ter sido colocada em prática “define a garantia de uma renda básica de cidadania para todos os habitantes do Brasil, e por isso, todas as famílias deveriam usufruir das riquezas comuns de nossa nação’’, concluiu.
Por fim, é fato que a pandemia do coronavírus está proporcionando inúmeros desafios e dificuldades para todos os brasileiros. No entanto, é inegável que o impacto aos informais é imensamente maior. Além da pobreza e precarização, agora precisam enfrentar todos os dias esse inimigo invisível. Assim, em meio à esta crise, a necessidade de superação do modelo neoliberal por um sistema onde o Estado proteja os trabalhadores torna-se cada vez mais urgente.