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Corpo em casa, mente em Tóquio 

por Carolina Mie, Danielle Carvalho e Luana Ayres 

Crédito: João Paulo Engelbrecht

Os desafios dos atletas para manterem uma boa saúde física e mental em meio à pandemia

As Olimpíadas, que ocorrem de quatro em quatro anos, só foi suspensa nas duas maiores catástrofes da humanidade: a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Desta vez, o motivo do adiamento é a pandemia do novo coronavírus, que impactou em toda a organização do evento e na vida dos atletas olímpicos. Eles, que estavam em preparação desde o Rio 2016, foram surpreendidos com novos desafios: manter os treinos em casa e uma boa saúde mental até os Jogos.

O evento, que foi oficialmente adiado para julho de 2021 pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), ainda possui suas incertezas. Isso porque a pandemia tem previsão de durar entre 18 e 24 meses, de acordo com pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

Para o presidente do comitê organizador dos Jogos de Tóquio-2020 (Tocog), Yoshiro Mori, existe a possibilidade de não haver evento caso o vírus não esteja controlado até o fim de 2020. “No passado, quando houve problemas do tipo, como guerras, os Jogos foram cancelados. Dessa vez, lutamos contra um inimigo invisível", disse a um jornal local.

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Diante dessa situação, os atletas brasileiros enfrentam dilemas diferentes. Alguns já têm a sua vaga conquistada e isso faz com que eles foquem apenas no objetivo principal: se tornarem medalhistas olímpicos. Outros competidores ainda terão que participar do pré-olímpico. Com isso, as preocupações e motivações são distintas para quem já está classificado e para aqueles que ainda lutam por uma vaga.

“Fico imaginando se fosse eu tendo que treinar sem ter um rumo e uma data certa. Eu estaria muito preocupado sem ter o que fazer”, disse Ícaro Miguel, do taekwondo, um dos lutadores confirmados para a próxima edição das Olimpíadas.

​ÍCARO MIGUEL

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O atleta mineiro de Belo Horizonte, Ícaro Miguel, iniciou sua trajetória no taekwondo aos oito anos por influência dos seus pais. Seu primeiro treinador, o Mestre Abel Martins de Paiva, também era técnico da sua família. O lutador iniciou sua jornada de competições aos 13 anos, entretanto, ao completar 20 ele sofreu um acidente no qual perdeu 90% de sua visão do olho direito. 

Hoje, com 24 anos, se tornou o lutador de taekwondo que colocou o nome brasileiro no topo do ranking. Em meio à pandemia do Covid-19, ele foi notificado de que se tornou o atual número um do mundo em taekwondo. Ele estava concorrendo em duas categorias, uma de 87 quilos, e outra de 80. O atleta foi premiado em ambas divisões, na primeira conseguiu alcançar o topo e na segunda ocupou a quarta posição. Com este feito, entrou para os rankings mundial e olímpico. 

Mas nem todos tem um pensamento positivo. A psicóloga Anna Vitoria Renaux, que começou seu trabalho no Comitê Olímpico Brasileiro no início de 2020, disse que muitos estão desestimulados. “Acredito que muitos estejam achando que esse período pode prejudicar bastante o desempenho deles”, avaliou.

Por outro lado, para alguns competidores, ter mais um ano significa mais uma oportunidade de preparação. O arqueiro Marcus Vinícius relata que terá mais tempo pra treinar. “Acho que devo pensar assim, e que vai ser melhor com certeza, esse um ano a mais vai ser bem melhor para mim”, ressaltou.

MARCUS VINÍCIUS

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Marcus Vinicius é um arqueiro brasileiro de 22 anos que compete com arco recurvo. O atleta é referência do Centro de Treinamento de Maricá, criado para revelar novos talentos, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esse foi o local onde começou a dar os primeiros passos de sua carreira, na época tinha apenas doze anos de idade. Cinco anos depois, ele já impressionava pelos resultados que alcançava em um esporte tão pouco conhecido pelos brasileiros: o tiro com arco.

Treinando em casa

Com o mundo todo em isolamento social, a preparação dos atletas passou a ser dentro de casa. Os treinos passaram a ser feitos por aplicativos de vídeo chamada, adaptados pelos treinadores, de acordo com o espaço que cada competidor possui. Além disso, em esportes coletivos ainda existe outro obstáculo: manter todos os jogadores no mesmo nível de preparação e condicionamento físico. 

No basquete 3x3, modalidade nova para essa edição dos Jogos, o atleta Jefferson Socas ressalta que existe um receio de que alguns estejam se adaptando melhor que outros. Ele disse que está na casa dos pais, que possui um jardim, mas que alguns de seus colegas de time estão treinando em cômodos menores. Nesse caso, os exercícios costumam ser ajustados na hora da realização pelos treinadores. 

Segundo Rebecca, elas tentam manter o contato e realizar a prática no mesmo horário, mas os exercícios não são iguais, visto que uma é bloqueadora e a outra defensora. Apesar disso, ela confia no potencial das duas de retornarem ao ritmo e a química de jogo em pouco tempo quando tudo voltar ao normal. “Vai ser mais difícil no início, mas acho que com alguns treinos isso se pega de volta. A gente só não pode parar 100%”.

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TABELA DE TREINO DE REBECCA SILVA

CRÉDITO: CAROLINA MIE

TREINO DE REBECCA SILVA

Assim como no vôlei, as lutas também sofreram ajustes na preparação, com maior foco na parte física dos competidores. O mais novo atleta olímpico do taekwondo, Ícaro Miguel, classificado em março de 2020, passou a treinar sozinho e cita isso como um dos principais problemas do isolamento.

 

Para continuar ativo, abusou da criatividade e capacidade de adaptação. Utilizando-se de bases que o ajudam a aprender a fazer os chutes e a parede de sua casa como ponto de referência, o objetivo dos treinos é não encostar na parede. Então, ele se posiciona de lado contra ela e chuta aos ventos, algumas vezes, sem encostar os pés no chão, por duas vezes seguida, e passa o dia repetindo esses movimentos.

De acordo com o atleta, isso o ajuda a fazer a correção dos chutes e melhorar a execução. “Por ser um esporte de contato, eu sempre preciso de alguém para me ajudar, então é uma das maiores dificuldades que eu enfrento. Não tenho essa pessoa ali comigo nos treinos”, lamentou.

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FONTE: WORLD TAEKWONDO ATHLETE RANKINGS

CRÉDITO: CAROLINA MIE

O psicológico dos atletas

O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) disponibiliza 11 psicólogos para todos os atletas desde 2016 através do projeto “Programa de Saúde Mental do COB”. Esse planejamento surgiu depois que o comitê percebeu que a seleção brasileira começou a ganhar mais destaque e melhorou o seu desempenho devido a um acompanhamento psicológico diário. Segundo o COB, isso ajudou os competidores a atingir, de maneira mais efetiva, os resultados e metas propostas. 

O apoio psicológico, foco e comprometimento são peças fundamentais para manter uma boa saúde mental dos atletas até as competições. Por isso, uma das principais missões dos psicólogos durante a pandemia é reforçar a importância de um sono controlado e uma alimentação saudável, mesmo que por vezes isso seja difícil nesse momento.

A psicóloga Carla Di Pierro enfatiza que é fundamental o equilíbrio mental para ter uma rotina que faça uso de atenção e meditação.

Uma opção que estamos preferindo é o treinamento mental. Eles podem se organizar e treinar o que querem melhorar. Quem busca melhorar algo específico, por exemplo, mentaliza o movimento, visualiza, para aprimorá-lo."

Carla Di Pierro

Alguns atletas estão utilizando os psicólogos como válvula de escape para desabafar e conversar, pois é uma rotina em que não estavam acostumados. Ainda segundo Rebecca Silva, do vôlei de praia, as consultas que antes aconteciam uma ou duas vezes na semana, hoje chegam a três. Para ela, se encaixar a uma nova rotina está sendo bem difícil. “Estou tendo que me adaptar a várias coisas, a ser uma mãe mais presente, uma esposa presente, uma dona de casa e isso é bem difícil porque antes eu saía duas vezes ao dia e viajava muito”.

Porém, não são todos os competidores que sentem a necessidade de conversar sempre com esses profissionais. Ícaro Miguel, do taekwondo, revelou que no momento está sem o acompanhamento de um psicólogo, mas reconhece que esse trabalho foi uma das coisas que o colocou onde ele está hoje. Ele também conta que por já ter sua vaga garantida nos Jogos, sua cabeça está mais tranquila. 

Assim como Ícaro, Rebecca também já tem a sua vaga garantida e por isso se sente mais confiante e focada para continuar com os treinos. Porém, Rebecca diz que sua classificação não é motivo para relaxar. Acho que preciso trabalhar mais ainda, mas ter a vaga garantida só me motiva para eu estar mais preparada para Tóquio 2021”.

O esporte, seja ele coletivo ou individual, é complexo por um conjunto de fatores que influenciam diretamente no resultado dos atletas. Além da preparação física, o psicológico também interfere no desempenho. Assim, o programa do COB proporciona uma atenção especial aos competidores, garantindo mais segurança e estabilidade mental.

Se os meses que antecedem a Olimpíada já são de grande tensão e estresse, a situação se acentuou em meio à pandemia. Mas os treinamentos seguem com a mente em Tóquio.

A expectativa é enorme, porque na minha opinião é o sonho de todo atleta participar de uma Olimpíada, é o auge do esporte."

Jefferson Socas

TREINO EM CASA DE MARCUS VINÍCIUS

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