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UMA OPERAÇÃO DE GUERRA

Dona de óticas em Petrópolis batalha para garantir bem-estar de funcionários e clientes

Ana Júlia Oliveira

“Estou confusa”, escreveu Elen Cristine Correa, de 41 anos, para um grupo de amigos, logo depois do pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em 24 de março de 2020. Proprietária de óticas há 15 anos, ela viu Bolsonaro criticar o isolamento social em plena pandemia de COVID-19 e pedir a retomada do comércio, contrariando instruções do Ministério da Saúde. Dois meses depois, continuava confusa, mas precisava pagar as despesas fixas das lojas, em Petrópolis e cidades vizinhas. Já que a burocracia oficial atrasava o acesso às políticas públicas de auxílio emergencial, começou a fazer atendimentos por Whatsapp e entregas em domicílio. Foi no dia 1 de junho que tudo mudou novamente, a cidade começou a realizar a reabertura gradual do comércio. O medo e a angústia por estar colocando em risco sua saúde e a de sua família se tornaram ainda maiores.

Elen se tornou responsável pelas entregas. Sua rotina virou “uma operação de guerra”, ela diz: chegar em casa, tirar os sapatos no quintal, tirar a máscara e a roupa na porta, lavar tudo, passar álcool no celular, nas chaves, na bolsa, tomar banho e, por fim, falar com seus filhos. Mesmo com todos esses cuidados, seu filho Guilherme, de nove anos, apresentou sintomas do novo coronavírus, como diarreia e dor de cabeça. Ela ligou para o pediatra, que recomendou isolamento total. Duas semanas depois, ela e Guilherme fizeram o teste: negativo.

 

É preciso se reinventar para reagir. O carro agora é seu principal aliado no trabalho. Elen faz atendimento em domicílio quase todo dia. A demanda por lentes de contatos e óculos emergenciais tem sido sua fonte de renda e seu incentivo. Mesmo com essa rotina exaustiva, o mês de abril se encerrou com 10% do faturamento do mês anterior. Em suas oito filiais, trabalham 30 funcionários. No entanto, apenas 20 conseguiram receber o apoio do governo. Mesmo sendo abandonada pelo governo, não demitiu nenhum de seus funcionários.

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Tenho essa responsabilidade social, preciso batalhar pelo salário que os meus funcionários têm para viver”

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E foi isso que Elen fez: junto com outros óticos, marcou uma audiência com o município. No dia 14 de maio, era a única mulher na reunião, mas não se intimidou. Tomou o controle da situação e explicou passo a passo o protocolo que estava sugerindo. Para Elen, a questão era muito maior do que a economia. “Ainda não é o momento da reabertura total, mas não quero trabalhar de maneira ‘ilegal’”, disse. Ela acredita que devemos prezar pela saúde acima de tudo e, por isso, propôs atender casos urgentes com horário marcado, já que alguns aparelhos são grandes e não são portáteis.

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Elen se preocupava com clientes que enfrentam dificuldades. O contador Geraldo Moreira, de 64 anos, seu cliente há 5 anos, tem 11 graus de hipermetropia e teve os óculos quebrados por seu cachorro. Assim, não conseguia trabalhar, mesmo em home office. “Não conseguia enxergar as letras do computador, mas, como sou de grupo de risco, não queria me arriscar para sair a procura de qualquer ótica que estivesse aberta.”, disse Geraldo. Ele escolheu a nova armação por videochamada, e Elen serviu até de modelo. Com a ajuda da comunidade de optometristas do Rio de Janeiro, ela conseguiu obter as medidas necessárias usando fotos enviadas por Geraldo.

As óticas também são um tipo de serviço de saúde. Alguns municípios do estado do Rio, como Três Rios e São José do Vale do Rio Preto, logo as classificaram como parte dos setores essenciais, disponibilizando um protocolo para seu funcionamento. Mas Petrópolis, onde Elen tem maior número de filiais, a princípio incluiu as óticas como parte da segunda onda de reabertura do comércio, junto com academias e salões de beleza.

 

A prefeitura dizia aguardar o achatamento da curva da doença na cidade para pôr o plano em andamento. Até meados de maio, Petrópolis já havia registrado 562 casos da doença e 47 mortes. O pico da pandemia na cidade, segundo a Secretaria de Saúde, era estimado para a segunda quinzena de junho. O plano estava sujeito a mudanças. “Desde que começamos a montar o plano estamos ouvindo os diversos segmentos, que entregaram suas propostas”, explicou o coordenador de Planejamento e Gestão Estratégica da prefeitura, Dalmir Caetano, em entrevista para o jornal Diário de Petrópolis.

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Foi com o depoimento de Geraldo que Elen conseguiu demonstrar sua situação para o presidente da Câmara dos Vereadores e o coordenador de Planejamento e Gestão Estratégica do município. No entanto, a proposta ainda precisava ser aprovada pelo prefeito, Bernardo Rossi. “Tudo vai depender de como vai estar o número de casos da doença em Petrópolis”, disse Rossi ao jornal Tribuna de Petrópolis.

 

A cidade, durante os dois meses de isolamento social, sofreu com 5,5 mil demissões. A retomada das atividades, apesar de ter ignorado a ainda crescente curva de contaminação, é enxergada como um pontapé inicial para a recuperação econômica. Por isso, no dia 22 de maio, a Prefeitura anunciou a data para a reabertura do comércio: 1 de junho. As ondas de flexibilização foram modificadas e garantiram prioridade às óticas, que passaram a fazer parte do primeiro setor. Fabiana Torres é gerente da loja matriz e, mesmo depois da reabertura, acompanha Elen nas entregas. Feliz, ela se gaba que agora conhece Petrópolis de cabo a rabo e que o público da loja cresceu bastante. “Um foi falando para o outro e agora temos mais clientes do que tínhamos.” E afirma que nunca mais ninguém vai reclamar de ter que ir trabalhar ou que está cansado. “Eu, por exemplo, estou dando graças a Deus que posso trabalhar.”

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Apesar de o fluxo não estar como antes, para Elen “foi um dia de readaptação”. Na maneira de atendimento, nas novas práticas e cuidados. A maior preocupação ainda é com seus funcionários, que, mesmo com todos os cuidados, são os que têm mais contato com os clientes. “ Eu sinto que o primeiro impacto já passou, temos que ter bom astral agora para seguir”. A retomada gradual trouxe segurança e um pouco de estabilidade para a nova rotina: nas lojas e no atendimento domiciliar.

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