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O Coronavírus existiria em um mundo vegano?

por Felipe Rinaldi, Gabriela Rocha e Iasmin Arêas

A idealização de um mundo vegano parte do princípio que os animais seriam tratados com respeito, estando livres da exploração e matança. É assim que a Organização Mundial Norte-Americana “Pessoas Pelo Tratamento Ético dos Animais” (PETA, na sigla em inglês) acredita que o Covid-19 poderia ser evitado. A ONG afirmou em suas redes sociais que essa pandemia não existiria em um mundo vegano.

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Segundo a organização, o vírus se assemelha a outras variedades menos perigosas de Coronavírus que já surgiram há anos, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS). Essas doenças são classificadas como zoonoses, ou seja, transmitidas de animais para humanos.

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A aproximação excessiva do ser humano com diversos tipos de animais, o consumo de produtos e as formas de produção são situações favoráveis à disseminação de doenças. Isso se dá pelo número excessivo de animais em espaços que não comportam e, como consequência, tem-se condições precárias de higiene. De acordo com a Gerente Sênior do PETA, Alicia Aguayo:

“Surtos mortais de Gripe Suína (H1N1), Doença da Vaca Louca, Gripe Aviária, Ebola, e outras doenças zoonóticas surgiram da criação de animais domésticos ou da captura de animais como alimento. Os patógenos florescem nas fazendas sujas das fábricas e nos mercados de carne, tornando-os locais de criação perfeitos para bactérias e vírus perigosos".

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Animais criados para consumo são sacrificados anualmente em fazendas para evitar a proliferação de doenças. Entre fevereiro e abril de 2020, países como Filipinas, Alemanha, Estados Unidos e China registraram casos de gripe aviária, doença com alto poder de transmissão humana. Em meio a atual pandemia, autoridades chinesas decretaram o sacrifício de mais de 17 mil galinhas na província de Hunan, a fim de evitar o ressurgimento de um novo surto.

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Além dos animais que são abatidos para consumo, ainda não há uma confirmação se os animais domesticados, como cães e gatos, podem transmitir o Covid-19. Há um grande debate acerca do tema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que ainda não há evidências suficientes, mas alguns especialistas acreditam que esses animais não estão imunes de contrair a doença. Um cachorro de uma família no estado americano Carolina do Norte, foi diagnosticado com o vírus e se tornou o primeiro caso conhecido. O biólogo e diretor do Instituto Federal Fluminense (IFF), Victor Barbosa, defende que “Esses animais podem se contaminar pelo simples contato com gotículas de salivas dispersas no ar, como ocorre entre humanos”.

Mesmo sem respostas concretas, o governo chinês proibiu a venda e o consumo de cães e gatos devido a pandemia do Coronavírus. O país é conhecido por usar esses animais na alimentação, medicina, roupas e ornamentos. No mês de fevereiro, as autoridades chinesas também decretaram a proibição do consumo de carne selvagem vendida em mercados úmidos, como morcegos e pangolins, uma vez que a atual  pandemia pode ter relação a um estabelecimento situado na cidade de Wuhan. A educadora socioambiental, Daniela Bentes, afirma que nesses estabelecimentos as gaiolas dos animais costumam ficar juntas, quando são mortos o sangue entra em contato com outras espécies e com humanos. “Ainda existe o perigo de colocarmos um animal que não tem uma doença em contato com outros, podendo causar uma pandemia e outro desequilíbrio para os humanos”, diz ela.

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De acordo com o médico Murilo Meireles, o consumo de proteína animal está associado a diversas doenças crônicas, cardiovasculares, diversos tipos de câncer, obesidade e diabetes tipo II. Portanto, Meireles acredita que o veganismo acaba sendo uma solução, podendo ser descrito como a adoção de práticas que reduzam ao máximo, dentro do possível e praticável, a exploração animal, seja na forma de alimento, vestuário ou como cobaias para testes de cosméticos.

Mas  o que seria o veganismo?

A proposta do PETA é de tornar o mundo vegano, apontando essa escolha como uma solução para evitar novas pandemias. O filósofo Pitágoras, primeiro vegetariano a se ter registro, já afirmava que enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz. O veganismo só se tornou um movimento organizado no século XX, mas já estava presente na sociedade há muito mais tempo do que se imagina.

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O termo veganismo foi criado por Donald Watson, que em 1944 se juntou a outros cinco vegetarianos e fundou a Sociedade Vegana (The Vegan Society - TVS, em inglês), a primeira organização vegana do mundo. Donald enxergou a necessidade de um novo termo que fosse mais completo, uma vez que o vegetariano inclui alguns produtos de origem animal. Já o vegano corta completamente esse consumo, indo além da alimentação. Novas subdivisões foram surgindo ao longo dos anos, além dos vegetarianos e dos veganos, temos os ovolactovegetarianos, os lactovegetarianos, ovovegetarianos e os vegetarianos estritos.

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A partir de 1990, a TVS passou a oferecer o selo vegano, uma forma de reconhecer produtos que não possuem origem animal. O critério posto para o recebimento do selo pela organização é considerado o padrão internacional para outros selos do mundo.

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Principais selos veganos (respectivamente The Vegan Society/RU, Sociedade Vegetariana Brasileira/BR, Vegan Action/EUA e Associação Brasileira de Veganismo/BR)  -  Felipe Rinaldi

Alimentação vegetariana - Victória Souza (@vicbemveg) / adaptação por Iasmin Arêas

No Brasil, as organizações começaram a se formar só nos anos 2000. A Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), em 2003, e a Associação Brasileira de Veganismo (ABV), que existe desde de 2007, mas foi reformulada em 2019. Essas duas organizações também possuem seu próprio programa de certificação. O “Certificado Produto Vegano”, concedido pela SVB, foi criado em 2013 e após o produto passar por uma análise, ele recebe o certificado por um ano, quando será refeita a checagem para a manutenção, ou não, do selo. A ABV concede o “Certificado Vegano” desde 2019 e segue os padrões internacionais da Sociedade Vegana.

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A diretora da Associação Brasileira de Veganismo, Laura Kim, destaca a importância do certificado vegano, uma vez que o consumidor precisa sentir segurança no produto que está comprando. Ela ainda acrescenta a relevância  das linhas veganas dentro de empresas que continuam a trabalhar com alimentos de origem animal. “O veganismo é um boicote consciente. A sociedade precisa fazer isso de um modo construtivo, podendo escolher as empresas que vão consumir, sem se tornar intolerantes”, afirma ela.

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Evan Iuzzolino, Kelly Holohan – USA, “Save the Animals, Save the Planet”

Baseando-se no respeito aos animais, o movimento vegano traz benefícios para os seres humanos e meio ambiente. Por isso, é fundamental o papel das ONGs e dos grupos independentes de ativismo na propagação do movimento e do respeito aos animais. Vitor Ávila, militante pelo veganismo, relata que a sociedade é especista, a espécie humana se coloca acima das demais, atribuindo-se o direito de explorar os grupos inferiores. Nesse sentido, o movimento vegano tem o potencial de promover mudanças fundamentais para os animais. “Sem um veganismo político, engajado e interseccional a gente vai continuar vivendo em um mundo que oprime animais e humanos”, afirma ele.

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O veganismo se torna ferramenta de mudança em vários aspectos da sociedade, como no meio ambiente, consumo consciente, melhora na saúde, entre outros. Assim é necessário repensar os hábitos alimentares atuais como uma forma de prevenção, além do isolamento social e os hábitos de higienes já impostos para a sociedade em um contexto de pandemia. Com isso, a proposta do PETA em suas redes sociais, afirmando que o Covid-19 não existiria em um mundo vegano, é baseada na concepção de que a pecuária industrial é nociva à saúde humana. Dessa forma, ela configura um “ambiente perfeito” para o surgimento de novas doenças infecciosas. Michael Greger, autor do livro “Gripe Aviária: Um vírus de nossa própria eclosão”, conclui “Se alguém realmente quiser criar pandemias globais, então crie uma fábrica agrícola”.

OS DESAFIOS PARA QUEM QUER SE TORNAR VEGANO

Ainda é muito comum a associação de uma dieta sem consumo animal com má nutrição e anemia. A nutricionista Jessica Rodrigues, especialista em nutrição vegana, defende que é possível substituir a carne animal e derivados sem perder a ingestão necessária de proteínas. O único nutriente que não é encontrado no reino vegetal é a vitamina B12, que é produzida por bactérias que estão no solo.

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Como montar um prato vegetariano - Sociedade Vegetariana Brasileira

Os principais desafios ao aderir uma alimentação vegana

1.

Inclusão e aceitação do estilo de vida vegano por partes de amigos e família

2.

Crença de que um estilo de vida vegano é caro

3.

Falta de opção vegetariana em restaurantes e eventos

4.

Mitos que uma alimentação vegana provoca doenças

5.

Produtos especializados acima do valor de mercado

No início, minha família quis atrapalhar. No mesmo dia que disse que iria me tornar vegetariana, meu pai foi no mercado e comprou muita carne, falando todos os pratos que eu amava e junto com a minha mãe tentou me convencer de que eu ficaria anêmica".

Maria Eduarda Paim, 18 anos

Na primeira semana que eu virei vegetariana, fui a um casamento e não tinha nenhum salgado sem carne, nem bolinha de queijo. Depois dessa situação, eu tento sempre comer antes de ir aos lugares que existe a possibilidade de não ter uma opção vegetariana".

Palloma Pimentel, 20 anos

Hoje em dia é mais fácil. A nova geração não só entende essa opção, como apoia, quase todos os restaurantes tem pelo menos uma opção vegetariana ou vegana. Mas há vinte anos era mais difícil".

Mário Sahea, 52 anos

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