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Em casa, mas no trabalho

por Felipe Roza, Pedro Braña, Pedro Cardoso e Yan Lacerda

A ascensão do home office em meio à pandemia

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 O Covid-19 transformou nosso lar em um refúgio e, paralelamente, uma prisão. Vivemos em um regime semi-aberto mental, nossa tornozeleira eletrônica imaginária nos cerceia pelo nosso bem, pelo dos que amamos e pelo de toda a sociedade. Nossa rotina mudou, estamos isolados, por enquanto. Nesse contexto, quem pode trabalhar em casa está se adaptando ou se reinventando com o home office. Porém, essa mudança traz desafios e questionamentos.

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 A ideia de trabalhar em casa não é recente, mas teve um impulso nos últimos anos. Boa parte disso se deve às inovações na área da telemática, ciência que trata da transmissão a longa distância de informações computadorizadas. Isso proporcionou um aumento da qualidade e da velocidade da transmissão dos dados, além de um sucessivo barateamento de custos.

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 Países desenvolvidos começaram a incorporar essa prática há mais tempo. No Brasil, esse modelo começou a ganhar mais projeção em meados dos anos 2000. Somente em 2017 o home office, ou teletrabalho, como é legalmente chamado, foi regulamentado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no país, com a Lei 13.467.

O Artigo 75-B desta lei diz:

“considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Contudo, a epidemia do novo coronavírus nos obrigou a acentuar esse processo. Até mesmo quem nunca pensou em trabalhar em casa teve que se adaptar. Isso gera uma série de implicações, afinal somos uma sociedade constituída por indivíduos únicos que têm hábitos, preferências e opiniões diferentes. Naturalmente, não lidamos da mesma forma com essa situação.

Quais são as consequências dessa mudança?

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O psicólogo e professor da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, José Henrique Lobato, alerta sobre o estresse vivido pelas pessoas durante a pandemia e a sensação de prisão:

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Na opinião do psicólogo Léo Cintra, “O home office é um processo de trabalho do futuro”, mas ele ressalta que algumas pessoas não se adaptam a essa rotina e, ao se manterem em casa o dia todo, podem desenvolver transtornos de ansiedade, depressão ou obesidade. O psicólogo afirma que, além do aumento significativo desses casos desde o início da quarentena, houve também uma alta no número de ocorrências de discussões domésticas, que acontecem devido ao estresse gerado pelo confinamento.

 

O Instituto de Psicologia da UERJ realizou uma pesquisa sobre o comportamento dos brasileiros durante a quarentena. Os resultados mostram que os casos de depressão praticamente dobraram entre os entrevistados, enquanto os de ansiedade e estresse tiveram um aumento de 80% nesse período.

“Não ter opções torna o ficar em casa uma condição de obrigatoriedade e não de desejo próprio, e isto tem consequências”.

O espaço de trabalho em casa

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Quem tem filhos pode ser ainda mais afetado pela nova rotina de trabalho. Afinal, trabalhar com crianças em casa pode se tornar um desafio. É o que conta a jornalista, Carolina Pacheco, mãe de três filhos pequenos: “Por um lado, estou feliz com essa convivência. Mas, por outro, eu e meu marido seguimos trabalhando normalmente, tendo que produzir como se não estivéssemos nessa situação, o que torna o dia a dia muito estressante”. Carolina já trabalhava em home office antes da pandemia, mas contava com a ajuda de seus familiares e de uma empregada doméstica. Diante da nova situação, ela precisa se desdobrar entre o trabalho, os filhos e os afazeres domésticos.

O sociólogo Marcel Albuquerque observa uma espécie de auto exploração do trabalhador. “Poder trabalhar em qualquer horário permite, de certa maneira, que o empregador pressione o funcionário para que ele esteja disponível a qualquer momento”, diz Marcel.

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Já existem debates acerca das mudanças que podem ocorrer no pós-quarentena. Daniel Meireles, sócio da All Investimentos, acredita que pode ocorrer mudança nas dinâmicas de trabalho das empresas devido ao home office. "Isso poderia acabar reduzindo custos como aluguel, locomoção e diversos outros, para as empresas”, diz ele.

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Com o início da pandemia, muitas empresas tiveram que se adaptar ao momento em que estamos, e incorporar o trabalho remoto, o que pode abrir portas para muitas pessoas, mas fechar para outras. Embora o barateamento das tecnologias tenha sido bem acentuado, para muitos ainda é algo inviável. Além do alto custo do aparato tecnológico, outras questões podem dificultar o uso deste método de trabalho para boa parte da população, como a falta de um local reservado para evitar distrações.

 

Em diversas escolas e universidades ao redor do mundo, a solução arranjada para evitar a interrupção das atividades foi a introdução do sistema de ensino à distância. Entretanto, esse formato gera uma interação completamente distinta da que os professores e seus alunos estavam acostumados a ter dentro de sala de aula.

Arquivo Pessoal - Carolina Pacheco

“Você muitas das vezes está falando e não está vendo o outro lado, não têm aquela conexão com as pessoas, e mesmo sendo ao vivo, às vezes, você não tem essa resposta direta”, comenta o professor.

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No momento, quase 60% da população está trabalhando em home office, de acordo com um estudo realizado pela Hibou, instituição de monitoramento de mercado e consumo. O que representa aproximadamente 125,4 milhões de brasileiros. Mas segundo pesquisas da Robert Half - empresa global de consultoria de recursos humanos - em 2019, o Brasil era o terceiro país do mundo onde mais se crescia o home office, atrás apenas da China e de Singapura. Um levantamento divulgado pelo IBGE em dezembro de 2019 mostrou que, no ano anterior, 3,8 milhões de brasileiros trabalhavam dentro de casa, o maior número já registrado.

Esse é o caso de Flávio Mina, que trabalhou em casa por 10 anos na empresa HP com sistema de segurança corporativa, e agora está retornando a essa rotina devido à quarentena. Apesar de ter trabalhado tanto tempo em home office, ele afirma que, devido a tantas mudanças no decorrer dos anos, “o processo de adaptação não termina e sempre há uma novidade”. Após o crescimento dos filhos, a esposa começar a trabalhar em home office e a volta de seu pai de 81 anos para casa, seu dia a dia é bem diferente do que o que ele estava acostumado.

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Contudo, trabalhar no conforto de casa tem inconveniências e desvantagens. "Tem a diminuição do esforço físico, menos sol, menos interação social, dificuldade de parar de trabalhar", lista Flávio. Ele também acrescenta que está trabalhando mais, no entanto, a produtividade não é a mesma de antes.

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Quando perguntado sobre a possibilidade da população se mudar para o interior nesse período, o psicólogo Léo Cintra disse que haverá uma melhora na qualidade de vida e no nível de estresse do indivíduo. Um exemplo de alguém que optou por essa mudança para o interior é Júlia Porto*, cujos avós moram em Teresópolis, e foi junto do marido e dois filhos de 9 e 11 anos morar com eles na região serrana do Rio após o início da quarentena. Ela passou a trabalhar de casa.

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Essa mudança pode ajudar as pessoas a aderir esse novo método para o resto de suas vidas. Júlia relatou que, antes da pandemia, se sentia culpada quando não ia trabalhar presencialmente na instituição, mas estuda pedir ao seu superior para continuar o trabalho de casa após a quarentena, pois sentiu que esse método de trabalho é muito melhor para ela. Júlia também pontuou que ela e sua família estão muito mais felizes no interior, mais relaxados, pois podem desfrutar da piscina e tomar sol no quintal.

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Cada um de nós vê o isolamento à sua maneira. Mas é fato que não enxergamos mais os nossos lares da mesma forma. Acaba sendo difícil distinguir quando estamos em casa, ou no trabalho. Antes, ficávamos ansiosos para chegar em casa, aquele ambiente seguro, onde podíamos “desligar” e relaxar depois do trabalho. Agora, .... estamos nos questionando se queremos voltar para o ambiente de trabalho comum ou se preferimos continuar no home office.

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Não senti nenhuma diferença na produtividade, está igual quando trabalhava presencialmente"

- Júlia Porto*

* Pseudônimo

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